Acórdão: Recurso Especial n. 502.873 - MT (2002⁄0169713-2).
Relator: Min. Antônio de Pádua Ribeiro.
Data da decisão: 07.04.2005.
RECORRENTE : W I W
ADVOGADO : PAULO LAERTE DE OLIVEIRA E OUTROS
RECORRIDO : R N C
ADVOGADO : MILTON VINIZ CORRÊA JUNIOR E OUTROS
EMENTA: Civil. Cessão de Direitos Hereditários. Ausência de Escritura Pública. Instrumento particular registrado no Cartório de Títulos e Documentos. Ação ajuizada na vigência do Código Civil de 1916.
I - O novo Código Civil, em seu art. 1.793 é claro ao dispor que o direito à sucessão pode ser objeto de cessão "por escritura pública". Essa precisão, contudo, não existia no direito brasileiro, e a questão era controvertida na doutrina e jurisprudência.
II - In casu, o documento foi levado a registro no Cartório competente, concedida, assim, a devida publicidade. Além disso, é anterior ao segundo, cuja validade não foi reconhecida pelas instâncias ordinárias, que concluíram pela má-fé dos cedentes e cessionários ora recorrentes.
III - Contrato particular de cessão de direitos hereditários registrado em cartório cuja validade se reconhece ante a sua natureza obrigacional e, especialmente, tendo em vista as particularidades ocorridas no presente caso.
IV - Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial.
Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.
Brasília, 07 de abril de 2005 (Data do Julgamento)
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 502.873 - MT (2002⁄0169713-2)
RELATOR : MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
RECORRENTE : W I W
ADVOGADO : PAULO LAERTE DE OLIVEIRA E OUTROS
RECORRIDO : R N C
ADVOGADO : MILTON VINIZ CORRÊA JUNIOR E OUTROS
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Wilmar Ivo Wurzius e cônjuge interpuseram recurso especial pelas letras a e c do permissivo constitucional, contra acórdão assim ementado:
"RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE (APELADO) - EM FACE DE REVELIA - SENTENÇA NÃO-PUBLICADA EM AUDIÊNCIA - PRAZO CONTADO A PARTIR DA INTIMAÇÃO - PRELIMINAR REJEITADA - PRELIMINAR DE NULIDADE DE CESSÃO DE DIREITOS (APELANTE) - NÃO CABIMENTO - DOCUMENTO LEVADO A REGISTRO SOB Nº 9.461 EM 24.09.91 - QUITAÇÃO COMPROVADA ATRAVÉS DE RECIBO - PRELIMINAR REJEITADA - DOCUMENTOS NOVOS ENTRANHADOS AOS AUTOS - SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - NÃO APRECIAÇÃO PELO JUÍZO NEM PELO APELADO - NÃO COMPROVADO JUSTO IMPEDIMENTO - MATÉRIA PRECLUSA - CESSÃO DE DIREITOS FEITA A DALTRO EDSON DOS SANTOS DAMIAN - AJUSTE DISTRATADO - CESSÃO DE DIREITOS FEITA A RENAN NIEDERAUER COELHO E OUTRO - AVERBAÇÃO JUNTO AO CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL DESDE 24 DE SETEMBRO DE 1991 - CESSÃO REALIZADA COM O APELANTE - NÃO CONCRETIZADA - FALTA DE PAGAMENTO - NULIDADE DA PARTILHA AMIGÁVEL LANÇADA NOS AUTOS DE ARROLAMENTO SUMÁRIO, FEITO Nº 1.262⁄94 - RATIFICAÇÃO DA SENTENÇA - RECURSO IMPROVIDO.
Contar-se-á a partir da intimação, mesmo para o revel, o prazo para recurso, não sendo a sentença publicada em audiência.
Tendo sido levado a registro o documento particular, este fato já lhe concede a devida publicidade.
A juntada do recibo de quitação é documento comprovador de que a parte pagou a cessão de direitos adquirida.
Documentos novos entranhados nos autos após
prolação de sentença não podem ser apreciados pelo Tribunal sob pena de incorrer em supressão de instância, além de que não foi comprovado justo impedimento para faze-lo.
Tendo sido o Termo Particular de Distrato de Cessão de Direitos Hereditários (fls. 442) juntados aos autos, improcede alegação de não conhecimento da referida cessão.
Descaracterizada alegação de herdeiros de não conhecimento de cessão de direitos feita ao apelado se chegaram a receber todo o preço conforme recibo de quitação." (fls. 632⁄633)
A esse aresto foram oposto embargos de declaração, rejeitados pelo acórdão assim ementado:
"RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - OMISSÃO - NÃO-CABIMENTO - DUPLICIDADE DE PROCESSO DE INVENTÁRIO - NULIDADE DA PARTILHA AMIGÁVEL - FEITO Nº 1.262⁄94 - TRAMITAÇÃO NA 3ª VARA DA COMARCA DE RONDONÓPOLIS - POR EXCLUSÃO, COMARCA COMPETENTE DE PELOTAS NO RIO GRANDE DO SUL - INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO E FUNDAMENTOS CONFLITANTES - RECURSO IMPROVIDO.
Havendo duplicidade de inventários e tendo sido anulada a partilha que se encontrava tramitando na 3ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis, por exclusão, a competente é a Comarca de Pelotas no Rio Grande do Sul." (fls. 663)
Novos declaratórios foram manejados a título de prequestionamento (art. 134, II, do CC c⁄c o art. 44, III, do mesmo codex), afirmando a necessidade de se exigir que a cessão de direito hereditário seja feita mediante escritura pública, uma vez que se cuida de bem imóvel.
Os embargos foram rejeitados.
Novamente foram opostos outros embargos de declaração, alegando os embargantes que o aclaramento requerido não foi atendido, tendo em vista que a decisão é idêntica à anteriormente proferida. Invocam, a título de prequestionamento, o art. 145, do CC c⁄c o art. 44, III, do mesmo estatuto legal. Rejeitados, também esses embargos.
No recurso especial alegam os recorrentes contrariedade ao disposto nos arts. 44, III; 134, II e 145, III, do Código Civil de 1916, na medida em que não foi observado o "requisito fundamental para a validade da cessão, na qualidade de bem imóvel", tendo em vista que "a mesma foi realizada através de ESCRITURA PÚBLICA, ..." (fls. 711).
Afirmam que "o v. acórdão atacado, em desatenção à norma legal, entendeu que a cessão havida entre os herdeiros e Renan, mesmo realizada por instrumento PARTICULAR, foi válida, ..." (fls. 712).
Citam jurisprudência na qual se entendeu que a forma própria de cessão de direitos hereditários é a escritura pública.
Oferecidas as contra-razões (fls. 742⁄751), foi o recurso admitido (fls. 760⁄763).
Nesta instância, manifestou-se a douta Subprocuradoria-Geral da República pelo desprovimento do apelo em parecer assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO. INVENTÁRIO. ANULAÇÃO. COMPRADOR DE BOA-FÉ. RECIBOS DE QUITAÇÃO. CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. NATUREZA OBRIGACIONAL. ESCRITURA PARTICULAR. PUBLICIDADE.
A cessão de direitos hereditários, mesmo relativa a imóveis, tem natureza obrigacional, razão porque, não constituindo contrato constitutivo ou translativo de direito real, tem-se como válido o ajuste firmado em documento particular registrado em cartório, vez que atendido a sua publicidade.
Parecer pelo improvimento do recurso." (fls. 769)
Às fls. 783⁄786, Francisco Cósimo Pellegrino e sua esposa, Rosalba Pellegrino dos Santos e seu esposo, e Maria Rosária Pellegrino dos Santos e seu esposo, cedentes-herdeiros das terras ora em questão, se manifestaram:
"Em nome do princípio da verdade, há que se declinar que nos presentes autos que os únicos adquirentes reais da totalidade do imóvel em questão foram Wilmar Ivo Wurzius e sua Esposa, conforme notas do Primeiro Tabelionato da Comarca de Pelotas-RS - Escritura Pública de Cessão e Transferência de Direitos Hereditários (fls. 67, 67-v e 68), datada de 08 de agosto de 1994, sendo que de Renan Niederauer Coelho só restou engodo e diversos documentos sem o contexto da verdade.
III.
Confessam os herdeiros, ora peticionários, a venda total da área de 9.999ha e 5.012m² (nove mil, novecentos e noventa e nove hectares e cinco mil e doze metros quadrados) ao casal co-réu, não tendo qualquer valor jurídico o recibo de fls. 436, datado de 03.05.1995 e a Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários do Quarto Tabelionato da Comarca de Pelotas-RS (fls. 437, 437 - v, 438 e 438-v, datado de 03.05.1995, muito menos o Contrato de Cessões de Direitos Hereditários e Ações (fls. 33 a 39), datado de 18 de junho de 1991, bem como aquela Escritura Pública de Cessão de Direitos de Meação e Hereditários (fls. 416 e 416-v) lavrada no Primeiro Tabelionato da Comarca de Pelotas-RS em favor de Daltro Edson dos Santos Damian, em 05 de janeiro de 1993.
IV.
Considerando ainda mais, que o autor Renan Niederauer Coelho vindica 7.900ha (sete mil e novecentos hectares), quantia esta jamais contratada ao feitio legal, resta incontroverso o saldo restante de 2.099ha e 5.012m² (dois mil e noventa e nove hectares e cinco mil e doze metros quadrados), objeto do presente acordo.
V.
Considerando que o "animus acordandi" é possível em qualquer fase processual, com o devido ciente e de acordo de "Wilmar Ivo Wurzius e sua Esposa", via de seu representante legal, vêm requerer, no mínimo, o acordo pertinente à área de 2.099ha e 5.012m2 (dois mil e noventa e nove hectares e cinco mil e doze metros quadrados) e a reconsideração dos termos da defesa de fls. 108-111, postulando seja o presente homologado e que surta os legais e jurídicos efeitos, visto que, frise-se, o único negócio jurídico realmente mantido foi entre os herdeiros e o casal Wilmar e Vera, não tendo ocorrido qualquer pagamento efetivo do autor Renan Niederauer Coelho." (fls. 784⁄786)
Os ora recorrentes peticionaram às fls. 788⁄790, requerendo que se digne este relator:
"1. permitir que o Requerente tenha conhecimento do "acordo" objeto das petições acima mencionadas, antes da eventual homologação;
2. alternativamente, converter o julgamento em diligência, realizando audiência entre todas as partes envolvidas para fins de esclarecimento a cerca do pretenso acordo, visando eventual homologação ou;
3. alternativamente, ainda, negar, de plano a homologação pretendida;" (fls. 790)
Ante os termos das citadas petições, determinei às fls. 795:
"1º) Juntem os peticionários de fls. 783⁄786 o alegado acordo celebrado;
2º) Manifestem-se os recorrentes sobre a referida petição;
3º) Após, vista aos recorridos."
Os recorrentes, atendendo ao determinado por este relator, afirmaram inexistência de publicidade no primeiro negócio realizado, salientando, verbis:
"O primeiro negócio havido entre Renan e sucessores (18.06.1991) versa sobre a matrícula 27.369, do CRI de Barra do Garças;
À época, a matrícula válida e vigente era, e ainda é, a de nº 31.840;
Não houve averbação do negócio à margem da respectiva matrícula (27.369), ainda mais pelo fato de tal matrícula não mais representar imóvel algum;
À margem da matrícula 31.840 nenhuma averbação foi feita quanto a este negócio, uma vez que referido negócio jamais versou sobre esta matrícula;
O negócio entabulado pelos recorrentes e os sucessores (08.08.1994) diz respeito à integralidade da área representada pela Matrícula 31.840, negócio este que foi posteriormente averbado à margem da respectiva matrícula.
Aliás, para ilustrar a inexistência de publicidade, vale salientar que antes do fechamento do negócio, os Recorrentes dirigiram-se ao serviço notarial de registro de imóveis e de títulos e documentos da comarca de Barra do Garças, a fim de verificar se haveria algum ônus ou impedimento pendendo sobre o imóvel, Matrícula 31.840, do CRI da decantada localidade, que era e ainda é única, válida e vigente.
O resultado de tal diligência é que a matrícula 31.840 estava livre e desimpedida para o fechamento do negócio, como de fato se fez, ultimando-se pela Escritura Pública firmada em 08.08.1994.
Assim, deve ser desconsiderado o parecer do Representante do MPF pelas razões ora esposadas, uma vez que jamais houve publicidade...
Agora, se houve alguma publicidade, esta ocorreu quanto à Matrícula 27.369, a qual não representa o imóvel questionado." (fls. 804⁄805)
Pugnaram pela homologação requerida pelos herdeiros de Francisco Pellegrino da área total ou, pelo menos do saldo de 2.099ha e 5.012m² que não se encontra integrada à área em questão, que é de 7.900ha; pela condenação dos recorridos como litigantes de má-fé ao afirmarem que Francisco Cósimo Pellegrino já havia falecido, daí porque não seria possível o acordo requerido e a devolução dos autos ao Ministério Público federal para manifestação do acordo.
Os herdeiros também se manifestaram às fls. 811⁄812 afirmando ser inverídica a afirmação dos recorridos de que Francisco Cósimo Pellegrino já havia falecido, pugnando pelo não acolhimento de converter o julgamento em diligência, salientando que a medida somente iria postergar o termo da presente demanda.
Às fls. 831⁄832 e 836⁄838 os recorridos pedem novamente seja negado o pedido de homologação do acordo, juntando documentos.
Os recorrentes, às fls. 859⁄864, afirmam a existência de conluio entre os herdeiros e Renan Niederauer, recorrido, juntando também documentos.
Com nova vista (fls. 869), o Ministério Público Federal ratificou o parecer anterior pelo improvimento do recurso (fls. 769⁄773) antes solicitando a ocorrência de "cipoal de informações" e a inviabilidade do alegado acordo (fls. 871⁄872).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 502.873 - MT (2002⁄0169713-2)
RELATOR : MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
RECORRENTE : W I W
ADVOGADO : PAULO LAERTE DE OLIVEIRA E OUTROS
RECORRIDO : R N C
ADVOGADO : MILTON VINIZ CORRÊA JUNIOR E OUTROS
EMENTA
Civil. Cessão de Direitos Hereditários. Ausência de Escritura Pública. Instrumento particular registrado no Cartório de Títulos e Documentos. Ação ajuizada na vigência do Código Civil de 1916.
I - O novo Código Civil, em seu art. 1.793 é claro ao dispor que o direito à sucessão pode ser objeto de cessão "por escritura pública". Essa precisão, contudo, não existia no direito brasileiro, e a questão era controvertida na doutrina e jurisprudência.
II - In casu, o documento foi levado a registro no Cartório competente, concedida, assim, a devida publicidade. Além disso, é anterior ao segundo, cuja validade não foi reconhecida pelas instâncias ordinárias, que concluíram pela má-fé dos cedentes e cessionários ora recorrentes.
III - Contrato particular de cessão de direitos hereditários registrado em cartório cuja validade se reconhece ante a sua natureza obrigacional e, especialmente, tendo em vista as particularidades ocorridas no presente caso.
IV - Recurso especial não conhecido.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Como se verifica do relatório e do parecer da S.G.R. (fls. 871⁄872) não foi possível, neste Tribunal, a celebração de acordo que pusesse termo ao litígio, razão pela qual passo a julgar o recurso. Renan Niederauer Coelho, por si e como representante do espólio de Francisco Pellegrino, e sua Esposa ajuizaram ação de declaração de nulidade de inventário e partilha amigável contra Wilmar Ivo Wurzius e sua mulher e herdeiros de Francisco Pellegrino, objetivando desconstituir inventário tramitando na Comarca de Rondonópolis - MS.
Para tanto, afirmaram que adquiriram os direitos hereditários e de meação, correspondente a 7.900ha de uma área maior de 9.999ha e 5.012m² chamada gleba Califórnia, mediante contrato particular de cessão de direitos hereditários firmado em 18.06.1991 (fls. 33⁄40).
Anna Castagma Pellegrino, esposa do falecido, nomeada inventariante perante a Comarca de Pelotas-RS, mas, por não ter comparecido à audiência, foi o processo arquivado administrativamente, razão pela qual o autor, ora recorrido, pediu e lhe foi concedido, fosse ele nomeado inventariante (fls. 32 e 55).
Foi apresentado o Esboço de Partilha (fls. 52⁄53), com a determinação da juíza a quo de que fosse lavrada a partilha "nos termos do projeto apresentado" (fls. 54).
Por outro lado, foi requerida a abertura do inventário dos mesmos bens na Comarca de Rondonópolis-MS, no qual, após os trâmites normais, foi homologada, e transitada em julgado segundo documento de fls. 88⁄89 (Carta de Adjudicação), datado de 18.11.1994.
A ação visando a nulidade da partilha amigável foi julgada procedente e mantida pelo Tribunal a quo, conforme ementa transcrita no relatório.
Entendem os recorrentes que a cessão de direitos hereditários firmada com os ora recorridos é nula, porque firmada através de instrumento particular, e não por meio de escritura pública, um vez que se cuida de bem imóvel.
A questão, pois, a ser examinada, é a validade ou não da cessão de direitos hereditários através de instrumento particular.
Com o advento do novo Código Civil a questão está decidida, uma vez que o art. 1.793 é claro ao dispor que o direito à sucessão "pode ser objeto de cessão por escritura pública."
Essa previsão, contudo, não existia no direito brasileiro. Grande parte da doutrina visualizava a necessidade da escritura pública. Contudo, a questão não era pacífica, nem na doutrina, nem na jurisprudência.
Vejam-se os seguintes exemplos:
"A cessão só será válida após a abertura da sucessão, por ser nulo qualquer negócio que tenha por objeto herança de pessoa viva (CC, art. 1.089). E, como a sucessão aberta é tida como coisa imóvel (CC, art. 44, III), a cessão será feita por escritura pública." (Maria Helena Diniz, in Curso de Direito Civil Brasileiro, 1996, p.70).
"Considerada a sucessão aberta uma coisa imóvel por determinação legal (Código Civil, art. 44, III), a cessão de herança far-se-á por escritura pública, nas mesmas condições da alienação de qualquer bem imóvel, sob pena de ineficácia." (Caio Mário da Silva Pereira, in Instituições de Direito Civil, vol. VI, 11ª ed., p. 274).
"É da praxe brasileira a aquisição de direitos hereditários, o que, a meu ver, deve se dar pela forma solene. Por escritura pública, que é da essência do ato." (ADU - Informativo, nº 18⁄1998 - Desembargador do TJ⁄RS - Décio Antônio Erpen).
O Profº Orlando Gomes afirma:
"Quanto à forma, exige-se a escritura pública, ainda que a herança se constitua apenas de bens móveis, porque o direito à sucessão aberta é bem imóvel por determinação legal." (In Sucessões, p. 248).
"O legislador não traçou normas específicas para esse negócio. O art. 1078 do Código manda que sejam aplicadas a outras cessões as disposições da cessão de crédito (Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, Cap. 31). Tal como a cessão de crédito, a cessão de direitos hereditários tem evidente cunho contratual. Como a herança é considerada bem imóvel (art. 44, III), o negócio jurídico requer escritura pública." (In Direito Civil, Direito das Sucessões, Sílvio de Salvo Venosa, Ed. Atlas, 2001, p. 35).
A jurisprudência de nossos Tribunais Estaduais também se mostraram favoráveis à necessidade de a cessão de direitos hereditários ser efetuada através de escritura pública, como se pode ver, verbis:
"A cessão de direitos hereditários é negócio jurídico que reclama forma própria e única - a escritura pública - sendo, portanto, impróprio o instrumento particular". (TJ-SP, Ag. nº94.793-1, Rel. Des. Ney Almada, ac. 03.12.1992, in Jurisprudência Mineira, 119⁄101; TJ-PR, Ag. 14.847-2, Rel. Des. Wilson Reback, ac. 06.03.1991, Rev. Jurídica, 178⁄69).
Esta Corte já decidiu no sentido de inexistência de nulidade no caso de ausência de escritura pública, como se pode ver da seguinte ementa:
"RECURSO ESPECIAL. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS, MEAÇÃO E COTAS DE SOCIEDADE COMERCIAL. AUSÊNCIA DE ESCRITURA PÚBLICA. CARACTERIZAÇÃO DE GARANTIA. SÚMULAS 05 E 07-STJ. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO DO JUIZ.
II- A cessão de direitos, mesmo relativa a bem imóvel tem natureza obrigacional e, quando registrada em cartório, hipótese dos autos, tem eficácia inclusive em relação a terceiros." (Resp. 46726 - SP, Rel. Min. Cláudio Santos, DJ 11.03.1996).
No caso dos autos, segundo o acórdão recorrido, "o documento particular foi levado a registro no Livro B - 16 - fls. 172-v, 174, sob nº 9.461 em 24.09.91, fato este que lhe concede a devida publicidade, no que diz respeito a sua respectiva quitação, devidamente demonstrada através do competente recibo de fls. 47", (fls. 638).
O que ocorreu no presente caso é uma duplicidade de cessão de direitos hereditários pelos herdeiros Francesco Pellegrino, conforme se vê dos documentos acostados às fls. 33⁄40 e 67vº⁄68, da seguinte forma:
-Por instrumento particular, em 18 de junho de 1991, os sucessores de Franceso Pellegrino cederam a Renam Niederauer Coelho uma fração de terras com área de 7.900 ha dentro de uma área de 9.999 ha e 5.012 m². Esse contrato foi averbado a margem do Registro nº 9461, do Livro B-16 às fls. 172 vº 174 e protocolado sob nº 5820 do L. A, em 24.09.1991 (certidão de fls. 40).
Por escritura pública, os mesmos cessionários, em 08.08.1994 cederam a Wilmar Ivo Wurzius e sua mulher, a totalidade do imóvel, isto é, 9.999 ha e 5.012 m² (doc. de fls. 67 vº⁄ 68).
No caso dos autos a ação de nulidade da partilha ajuizada pelo recorrido foi julgada procedente salientando o seu prolator:
"A verdade é que a viúva e os herdeiros jamais podiam dar início a outro inventário com relação aos mesmos bens, com preterição do cessionário comprador, mesmo porque o contrato de cessão de direito encontrava-se averbado junto ao Cartório de Títulos e Documentos da situação do imóvel, desde 24 de setembro de 1991. Circunstância que não podia ser desconhecida por todos, inclusive pelos co-requeridos quando adquiriram os mesmos bens." (fls. 344).
Entendo que a cessão de direito hereditário deva ser firmada por escritura pública, como agora determina o novo Estatuto Civil em seu art. 1.793.
Contudo, no caso dos autos, a ação transcorreu na vigência do Código Civil de 1916 que não previa especificamente a forma como a cessão de direitos hereditários deveria ser efetuada. O art. 1.078 do anterior Código manda que se aplique a outras cessões as disposições da cessão de crédito. Esta, como se sabe, tem evidente cunho contratual. Por essa razão, que esta Corte ao examinar o Recurso Especial 46.726 - SP, anteriormente citado, entendeu que a cessão de direito, mesmo relativa a imóvel, tem natureza obrigacional.
Transcrevo a parte do voto condutor do acórdão citado que se assemelha à hipótese tratada nestes autos:
"quanto aos direitos hereditários do recorrente, de fato, por ficção jurídica, tem natureza de um bem imóvel, nos termos do art. 44, item III, do Código Civil. Porém, essa circunstância não é suficiente para fazer incidir a nulidade prevista nos artigos 145, III e 146 do C.C.. É que a exigência prevista no art. 134, II do C.C., pertinente à escritura pública, refere-se a contratos constitutivos ou translativos de direitos reais, entretanto o contrato de cessão de direitos tem natureza obrigacional e, como tal deve ser tratado. Com efeito, não se pode dizer que a cessão de direitos hereditários, mesmo sendo este um imóvel, seja um contrato translativo de um direito real, para os fins almejados pelo recorrente, bastando o seu registro no Cartório de Notas, hipótese dos autos, para ampliar a sua eficácia em relação a terceiros conforme prevêem os artigos 135 do C.C. e 129, item 9º da Lei nº 6.015, de 31.12.73 (Lei de Registros Públicos)."
É de se ver que Renam Niederauer primeiro adquirente de parte da gleba, providenciou o registro no Cartório de Títulos de Documentos da Comarca de Barra do Garças - MT, conforme se vê às fls. 38⁄40.
Com razão o Ministério Público Federal ao assim afirmar:
" 7. Deduz-se dos autos, manobra da Viúva e dos demais herdeiros em prejudicar o recorrido, comprador de boa-fé, de gleba de terras do de cujus. Não tem sustentação jurídica a tese argüida contestatória da validade do contrato de cessão de direitos firmado por instrumento particular, e, portanto tornado público a terceiros.
8. Denota-se, claramente, que o recorrido comprou a gleba de terras e pagou o preço, inclusive juntando recibos de quitação. Não pode o comprador de boa-fé ser prejudicado pela astúcia dos recorrentes que objetivam anular o negócio jurídico ajustado licitamente.
9. Outrossim, quanto aos direitos hereditários do recorrido, ajustado no contrato de cessão de direito, de fato, por ficção jurídica, tem natureza de um bem imóvel, nos termos do art. 44, item III, do Código Civil. Porém, essa circunstância não é suficiente pra fazer incidir a nulidade prevista nos artigos 145, III e 146 do CCB. É que a exigência prevista no art. 134, II do CC, pertinente à escritura pública, refere-se a contrato constitutivos ou translativos de direitos reais, entretanto, o contrato de cessão de direitos tem natureza obrigacional e, como tal deve ser tratado. Com efeito, não se pode dizer que a cessão de direitos hereditários, mesmo sendo estes um imóvel, seja um contrato translativo de um direito real, bastando o seu registro no Cartório para ampliar a sua eficácia em relação a terceiros, conforme prevê os artigos 135 do CC e 129." (fls. 771⁄772).
O que se verifica nos autos é o inconformismo dos recorrentes ante as decisões desfavoráveis ao seu pleito. O alegado prejuízo que tiveram não pode ser reportado aos recorridos, que pagaram o preço ajustado pela cessão, conforme afirmado pelas instância ordinárias.
Não se verificando, pois, qualquer maltrato a dispositivos infraconstitucionais alegados no apelo especial, não conheço do recurso.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2002⁄0169713-2 RESP 502873 ⁄ MT
Número Origem: 6072
EM MESA JULGADO: 07⁄04⁄2005
Relator
Exmo. Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
Presidenta da Sessão
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. ARMANDA SOARES FIGUEIREDO
Secretário
Bel. MARCELO FREITAS DIAS
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : W I W
ADVOGADO : PAULO LAERTE DE OLIVEIRA E OUTROS
RECORRIDO : R N C
ADVOGADO : MILTON VINIZ CORRÊA JUNIOR E OUTROS
ASSUNTO: Civil - Sucessão - Inventário - Anulação
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso especial. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.
Brasília, 07 de abril de 2005
MARCELO FREITAS DIAS
Secretário
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. STJ - Civil. Herança e de sua administração. Cessão de direitos hereditários. Necessidade de escritura pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 abr 2008, 14:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências /13483/stj-civil-heranca-e-de-sua-administracao-cessao-de-direitos-hereditarios-necessidade-de-escritura-publica. Acesso em: 28 nov 2024.
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